Cistite Intersticial

Prof. Dr. Enrico Andrade – Prof. Dr. Gustavo Alarcon


O que é a Cistite Intersticial (CI)?

É uma doença crónica dolorosa, adquirida durante a vida e que atinge a bexiga. Não é possível precisar quantas pessoas estão afectadas por esta doença, estimando-se que haja 1,2 a 4,5 mulheres com CI por 100 000 habitantes.

A doença é definida por um conjunto de sintomas e sinais. Várias sociedades médicas estabeleceram critérios para definir e diagnosticar a CI, mas o fato de esses critérios baserarem-se em sintomas descritos pelos doentes torna a sua definição pouco precisa e controversa. A sensação de dor abaixo do umbigo, normalmente provocada pela distensão do enchimento da bexiga e aliviada pelo ato de urinar é a manifestação principal. Esta pode ser acompanhada por frequência urinária (que pode ir até 100 vezes por dia) e/ou pela sensação crónica de necessidade imediata em urinar (urgência). A controvérsia entre a classe médica persiste porque estes sintomas não existem apenas nesta doença, isto é, não são específicas da cistite intersticial. Recentemente, foi proposto que esta doença fosse chamada de síndroma de dor vesical e que o termo “cistite intersticial” fosse apenas utilizado para os doentes que apresentam achados típicos à visualização do interior da bexiga (por cistoscopia) e em biópsias da sua parede.

Há muitas doenças que dão sintomas semelhantes à cistite intersticial e o médico terá que efetuar exames para as excluir. Por exemplo, a cistite bacteriana (vulgar infecção urinária) apresenta microorganismos na urina, mas na CI não se identificam quaisquer germens na urina. 
 

Quais são as causas da Cistite Intersticial e como evolui?

Atualmente, a causa da CI é desconhecida e não está provado que a doença tenha origem na bexiga. Foram propostos vários fatores possíveis para tentar explicar o seu aparecimento:

• Causas infecciosas e inflamatórias: as infecções agudas não parecem poder justificar o aparecimento da CI, mas a fibrose pode ser uma complicação de uma infecção urinária “vulgar” ou de repetição.
• Causas psicológicas: coincidentemente ou não, muitos dos casos de CI surgem em mulheres com problemas depressivos ou outros distúrbios psiquiátricos.
• Causas vasculares: por problemas primários dos vasos sanguíneos.
• Causas neuropáticas: por problemas dos nervos que enervam a bexiga tornando-a demasiado sensível a estímulos.
• Causas auto-imunes: alterações do modo como o organismo reconhece os próprios componentes.

Provavelmente, a CI não é uma doença isolada, incluindo-se num conjunto de doenças mais abrangente.

Uma das hipóteses mais recentes aponta para que a causa da CI esteja na perda da capacidade de impermeabilidade do revestimento interno da bexiga (mucosa), o que ocorre em 70% destes doentes. Este contato direto dos químicos da urina (incluindo o potássio) com as camadas da bexiga poderá ser o responsável pelas lesões crônicas inflamatórias da sua parede.

Há algumas doenças crônicas que ocorrem mais frequentemente em pessoas com CI do que na população geral, tais como: lúpus eritematoso sistémico, doença inflamatória intestinal, colite funcional, vulvodinia (desconforto crónico da área genital externa da mulher), alergias, endometriose (tecido do endométrio fora do útero) e fibromialgia.

Há dois tipos de CI, um ulcerativo e outro não ulcerativo, dependendo dos achados à visualização do interior da bexiga. Apenas 10% dos doentes apresentam nas paredes da bexiga uma ulceração típica em estrela a que os médicos chamam úlcera de Hunner. Outras alterações típicas são as glomerulações (áreas hemorrágicas).

A evolução da doença pode conduzir a alterações da bexiga com endurecimento e cicatrização das suas paredes por inflamação crónica, resultando em última instância numa bexiga de pequena capacidade. 
 

Quais as manifestações da Cistite Intersticial?

A CI é mais típica nas mulheres de meia-idade (90% dos casos) e surge, em média, aos 40 anos.

Os doentes referem habitualmente um aumento da frequência urinária de dia e de noite com instalação progressiva, podendo tornar-se severa. Porém não apresentam outros sintomas sugestivos de infecção urinária como ardor a urinar ou urina fétida e turva.

Cronicamente, podem desenvolver urgência em urinar.

A principal queixa é normalmente de dor referida à região da bexiga (abaixo do umbigo), mas também à região da uretra ou do períneo (área entre o ânus e a vagina ou testículos). A dor alivia pela micção e tem de ter mais de 6 meses de evolução. Em casos graves pode chegar a haver sangue na urina quando há exagerada distensão da bexiga. Algumas mulheres descrevem dor durante a relação sexual e muitos doentes são (ou tornam-se) ansiosos.

O exame físico do doente pelo médico pode ser normal ou apenas revelar desconforto à palpação da área da bexiga.
 

Como é que a Cistite Intersticial pode ser diagnosticada?

A presença dos sintomas referidos é fundamental. Mas como eles variam muito de intensidade e não são específicos da CI, é necessário excluir doenças que provoquem queixas semelhantes tais como: infecções vaginais, doenças sexualmente transmissíveis, inflamações crónicas da próstata (prostatites crónicas bacterianas e não bacterianas) infecções urinárias comuns (bacterianas), afecções da bexiga por tuberculose, schistosomíase (um parasita tropical), cálculos urinários, câncer da bexiga, endometriose e doenças neurológicas.

As análises laboratoriais (coletas de sangue, urina, secreções prostáticas) são normais na CI mas são importantes para excluir estas doenças enumeradas. Ultimamente, tem-se estudado uma substância eliminada pela urina (factor anti-proliferativo) que poderá vir a ser um marcador desta doença.

O teste de sensibilidade ao potássio consiste na introdução separadamente de 2 soluções, uma com água estéril e outra com potássio. Nos doentes com CI, a solução com potássio provoca mais dor do que a instilação de água na bexiga. Porém um teste normal não pode excluir a possibilidade de CI.

A cistoscopia (observação da uretra e bexiga através de um aparelho introduzido pela uretra) sob anestesia geral, pode detectar uma baixa capacidade, úlceras de Hunner, glomerulações (pontos hemorrágicos). Estas alterações podem ser evidenciadas após distensão da bexiga com soro e evacuação do líquido. As biópsias das paredes podem mostrar espessamento e fibrose e excluir câncer. Porém, a cistoscopia pode não mostrar alterações (em 60% ou mais dos casos), apesar de o indivíduo ter todos os sintomas sugestivos de CI e algumas das lesões descritas também poderem existir em pessoas sem CI.

A distensão da bexiga sob anestesia pode aliviar os sintomas durante 3 a 6 meses.
 

Qual o tratamento da Cistite Intersticial ?

Não há tratamentos definitivos para a CI. Muitos doentes melhoram com medicamentos ou outros tratamentos não invasivos. Aqueles que não respondem a estes necessitam de ser operados.

Modificar o estilo de vida:
– Dieta: alguns médicos recomendam que sejam evitados alguns alimentos que parecem agravar os sintomas por irritarem a bexiga, tais como: álcool, chocolate, café, bebidas ácidas ou gaseificadas, entre outros.
– Parar de fumar: o tabaco agrava os sintomas e é um factor de risco para câncer da bexiga.
– O exercício físico parece aliviar os sintomas. O treino dirigido aos músculos da pélvis e ao controle da bexiga pode conseguir diminuir a frequência urinária.

Medicação oral: heparinóides durante 1 ano ou mais, como o polissulfato de pentosan - PPS, que se assemelham a substâncias do revestimento interno da bexiga; antidepressivos tricíclicos podem melhorar as queixas, por redução da hiperativação dos nervos da bexiga; a gabapentina que também é usada para tratar dor de origem nervosa, é igualmente eficaz na CI; anti-histamínicos; anti-colinérgicos; aspirina e outros anti-inflamatórios como o ibuprofeno, fenazopiridina.

Hiperdistensão hidráulica da bexiga pode dar alívio temporário das queixas (durante 3-6 meses) em 20% a 30% dos doentes.

Instilação vesical (tratamentos com introdução de substâncias dentro da bexiga)
– DMSO (dimetil-sulfóxido) , um derivado do linhano que é instilado a cada 2 semanas, heparina, bicarbonato de sódio, PPS e corticóides como a hidrocortisona, capsaicína, resinferatoxina, toxina botulinica tipo A, entre outros.
 
– Neuromodulação: consiste no controle das queixas por alteração do sistema nervoso. O cirurgião coloca um aparelho implantado debaixo da pele que estimula alguns nervos sacrais (nervos da bexiga que se dirigem à medula através de orifícios na parte posterior da bacia) com o objetivo de eliminar o excesso de sensação dolorosa. Uma variante da neuromodulação é a TENS (estimulação eléctrica transcutânea de nervos) que não implica a introdução de dispositivos debaixo da pele mas também usa pequenas descargas elétricas através da pele, da vagina ou do reto com um efeito provável no fortalecimento dos músculos da pélvis e da bexiga e na libertação de substâncias que combatem a dor e reduzem a frequência urinária.

Tratamentos cirúrgicos da CI (reservados para situações graves que não respondem aos tratamentos anteriores, correspondendo a 5% dos doentes):
– Desnervação periférica (corte cirúrgico dos nervos da parede da bexiga) tem uma eficácia mal comprovada .
– Ressecar ou fulgurar as úlceras de Hunner.
– Aumento cirúrgico da bexiga, usando um segmento de intestino para aumentar o volume e a capacidade do reservatório da bexiga.
– Em casos desesperados estão descritos casos de cistectomia (remoção cirúrgica da bexiga), porém esta cirurgia é polémica, uma vez que há doentes que mesmo sem bexiga, continuam a descrever dores pélvicas, o que favorece a ideia de que a doença é uma síndrome dolorosa que atinge a bexiga, mas não necessariamente com origem neste órgão.
 

Como pode evoluir a Cistite Intersticial ? 
A CI tende a ser crônica, com períodos de sintomas alternando com períodos de remissão. Até 50% dos doentes pode ter melhora espontânea da doença por períodos de 1 a 80 meses mesmo sem tratamento. A intensidade dos sintomas pode variar de indivíduo para indivíduo e de uma crise para outra dentro do mesmo indivíduo. Os tratamentos disponíveis apenas se destinam a diminuir a severidade dos sintomas, não havendo cura definitiva da CI.

 
 

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